As secas

As secas

 

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Riscos naturais de origem climática – as secas (Pág. 106-111)

A seca meteorológica

A seca hidrológica

As áreas mais afetadas pelas secas

Consequências das secas

Medidas de prevenção das secas

A ocorrência de secas em Portugal

 

As secas correspondem a um período de tempo em que as condições climáticas de um lugar se alteram devido à excecional ausência de precipitação, de tal forma que as necessidades das plantas, dos animais e dos seres humanos não podem ser satisfeitas.

Contrariamente às outras catástrofes naturais que atuam de forma rápida e com consequências imediatas, as secas apresentam características muito particulares pois iniciam-se de forma lenta e só são percetíveis depois de já estarem instaladas. São o fenómeno que afeta mais pessoas a nível mundial e durante mais tempo, mas o seu grau de ocorrência, de intensidade e de extensão são variáveis pois dependem de vários fatores como, por exemplo, o vento, a humidade do ar, a temperatura ou a insolação. Existem dois tipos de secas: a seca meteorológica e a seca hidrológica.

A seca meteorológica:

Corresponde à diminuição ou ausência de precipitação, resultante de anomalias na circulação geral da atmosfera, nomeadamente a presença estável de centros de altas pressões. Isto leva a uma diminuição da quantidade de água disponível que pode ainda ser agravada pela evapotranspiração que corresponde à perda de água para a atmosfera por evaporação do solo e por transpiração das plantas e animais.

Nos centros de altas pressões (ou anticiclones), a circulação do ar caracteriza-se por ser (Figura 1):

- Divergente à superfície terrestre (ou seja, circula do centro para a periferia);

- Descendente em altitude e em movimento espiral (devido à força de Coriolis[Física; Matemática] A força de Coriolis caracteriza-se por ser uma força de inércia que atua juntamente com a força de arrastamento e a força centrífuga, sobre um corpo que se encontre em rotação como a Terra. Essa força influencia grandes movimentos oceânicos, círculos inerciais atmosféricos ou desvios horizontais e verticais nos corpos em movimento.Como o próprio nome indica, foi descoberta em 1835 pelo físico e matemático francês Gaspard Gustave de Coriolis. Uma consequência prática desta força acontece com os ventos dos anticiclones que não circulam em linha reta para o centro, mas circundam-no.);

- Movimento no sentido horário junto à superfície terrestre (no hemisfério norte).

Circulação do ar nos centros de baixa pressão atmosférica.
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Figura 1: Circulação do ar nos centros de alta pressão atmosférica.

No movimento descendente, o ar aquece e expande-se aumentando assim o seu volume e a capacidade de reter vapor de água. Deste modo não existem condições para ocorrer a condensação do vapor de água e a formação de nuvens pelo que não ocorre precipitação e o céu se mantém limpo.

A seca hidrológica:

Corresponde à diminuição das reservas hídricas como, por exemplo, a redução do caudal dos rios, do nível das albufeiras e lagos e a drástica diminuição da água presente no solo e nos aquíferos subterrâneos. Esta está desfasada da seca meteorológica, uma vez que é necessário um período maior para que as deficiências na precipitação se manifestem nas diversas componentes do sistema hidrológico (Figura 2).

Ciclo hidrológico.
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Figura 2: Ciclo hidrológico.

Para além das condições naturais, outros fatores podem interferir na ocorrência de secas como as atividades antrópicas, ou seja relativas às ações promovidas pelo ser humano, como por exemplo a sobre-exploração das reservas hídricas, práticas agrícolas inapropriadas, incorreto ordenamento do território, infraestruturas de armazenamento de água insuficientes ou mudanças na paisagem como a desflorestação.

As áreas mais afetadas pelas secas:

 

As secas podem ocorrer em qualquer lugar da superfície terrestre, contudo são mais frequentes nas regiões tipicamente desérticas, como por exemplo os desertos do Sara em África ➊ ou de Gobi na Ásia ➋. Para além destas regiões, o risco de seca é também muito elevado em grande parte da África Subsariana ➌, na Península Arábica ➍, no sul da Ásia ➎, na faixa ocidental da América do Norte, Central e do Sul ➏, no sul da Europa ➐ e ainda no interior da Austrália ➑ (Figura 3).

Risco de seca no mundo segundo o Índice de Severidade de Seca de Palmer.
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Figura 3: Risco de seca no mundo segundo o Índice de Severidade de Seca de Palmer (Palmer Drought Severity Index – PDSI).

 
 
 

Estas áreas mais afetadas correspondem sensivelmente às regiões próximas das latitudes de 30° norte e sul onde o ar é sobretudo descendente na vertical. Isto deve-se à dinâmica da atmosfera que procura equilibrar a temperatura terrestre através da deslocação de ar das regiões equatoriais para as regiões polares. Todavia, este processo não se realiza somente com a subida do ar na zona de convergência intertropical (devido à intensa radiação solar e consequente aquecimento criando as baixas pressões equatoriais) e posteriormente com a descida do mesmo nas zonas polares (devido ao arrefecimento em altitude e devido à menor radiação solar criando as elevadas pressões polares), pois as distâncias são muito grandes, criando por isso três células convectivas na atmosfera terrestre (células de Hadley, Ferrel e Polar).

 
 

O ar que aquece na zona equatorial desce aproximadamente na região dos trópicos, criando por isso uma região anticiclónica, ou seja onde estão presentes centros de alta pressão atmosférica. Este ar descendente, ao tocar na superfície terrestre espalha-se e parte deste desloca-se novamente para o equador e a outra parte para a região polar, colidindo esta última com o ar dos polos sendo obrigado a subir e criando por isso uma nova região de tempestades (Figura 4 e 5).

Circulação geral do ar na atmosfera.Circulação geral do ar na atmosfera.
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Figura 4 e 5: Circulação geral do ar na atmosfera segundo o modelo das células atmosféricas.

Assim, nas regiões onde se encontram frequentemente centros de alta pressão atmosférica, como o ar é descendente na vertical e ao efetuar este movimento a sua temperatura tende a aumentar, é natural que ocorra pouca precipitação pois neste movimento o ar expande-se e aumenta a sua capacidade de reter vapor de água pelo que dificulta a ocorrência de formação de nuvens e consequentemente a existência de precipitação.

Consequências das secas:

As consequências resultantes das secas variam no tempo e no espaço. Longos períodos de seca provocam a diminuição da água existente nas barragens, nos solos e nos rios, causando graves consequências ambientais e socioeconómicas que podem ser diretas ou indiretas (Quadro 1).

Quadro 1: Consequências das secas
CONSEQUÊNCIAS DIRETAS
Perda de culturas agrícolas e morte do gado devido à falta de água e de pastagens
Deficiente fornecimento de água para abastecimento da população
Prejuízos na indústria e na produção de energia hidroelétrica
Restrições à navegação e/ou pesca nos rios e lagos
Degradação dos solos pois estes vão ficando mais ressequidos e, por isso, são mais facilmente erodidos
CONSEQUÊNCIAS INDIRETAS
Favorecimento de condições que levam à ocorrência e/ou propagação dos incêndios florestais
Subnutrição e fome devido à escassez de alimentos, sobretudo nos países dependentes da agricultura
Degradação da qualidade da água
Erosão dos solos
Desertificação (que afeta o solo por ausência de vegetação conduzindo ao avanço de uma área desértica)

Medidas de prevenção das secas:

Embora as secas não possam ser evitadas, os seus prejuízos podem ser minimizados através da sua previsão (através da observação permanente das condições meteorológicas) e monitorização (dos níveis das águas superficiais e subterrâneas). As suas consequências poderão ser minimizadas através, por exemplo, do desvio de grandes quantidades de água através de canais ou da construção de reservatórios como as albufeiras.

A principal forma de minimizar os efeitos de uma seca passa pela alteração do comportamento de cada indivíduo no que diz respeito ao consumo de água (Figura 6).

Medidas individuais de prevenção das secas.
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Figura 6: Medidas individuais de prevenção das secas.

A ocorrência de secas em Portugal:

 

O território de Portugal continental é muito propício à ocorrência de secas. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), nas últimas décadas registaram-se vários episódios de seca, alguns deles com bastante gravidade, nomeadamente por se terem registado problemas graves no abastecimento de água à população, obrigando ao recurso de meios alternativos (como o transporte de água através de camiões cisterna). De salientar a seca de 2017 que afetou todo o território continental com grande intensidade (Figura 7 e 8).

Evolução espacial do índice de seca meteorológica em Portugal continental, entre março e outubro de 2017.Evolução espacial do índice de seca meteorológica em Portugal continental, entre março e outubro de 2017.
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Figura 7 e 8: Evolução espacial do índice de seca meteorológica em Portugal continental segundo o Índice de Severidade de Seca de Palmer (Palmer Drought Severity Index – PDSI), entre março e outubro de 2017.

As situações de seca, motivadas sobretudo pela ausência de precipitação, devem-se essencialmente a três fatores:

- Ao clima mediterrâneo, mais quente e seco no verão;

- À orientação do relevo, devido às barreiras de condensação (sobretudo no interior norte e no centro);

- A posição geográfica de Portugal, pois encontra-se próximo da zona anticiclónica intertropical (sobretudo no sul).

 

Assim, os longos períodos de precipitação escassa devem-se à posição geográfica de Portugal pois encontra-se na área de influência do anticiclone subtropical do Atlântico Norte (também conhecido por anticiclone dos Açores, ou seja, um centro de altas pressões barométricas) (Figura 9). Deste modo, a sua presença impede que as perturbações da frente polar atinjam a Península Ibérica, originando maiores períodos de precipitação.

Situação sinótica frequente no território de Portugal continental e insular.
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Figura 9: Situação sinótica frequente no território de Portugal continental e insular. Pode ver-se ao fundo da imagem, entre o Arquipélago dos Açores e Portugal continental, o anticiclone subtropical do Atlântico Norte que se posiciona frequentemente nesta posição.

O interior norte e centro e as regiões a sul do rio Tejo são as áreas mais suscetíveis à situação de seca meteorológica e têm sido as mais afetadas podendo culminar mais facilmente em seca meteorológica, porque apresentam um conjunto de condições favoráveis das quais se destacam:

Na região interior norte e centro

- A influência da barreira de condensação, constituída por um conjunto de montanhas concordantes, ou seja, sensivelmente paralelas à linha de costa, que se estendem de norte para sul. São exemplo destas montanhas as serras da Peneda, do Gerês, da Cabreira, do Marão, de Montemuro, da Estrela ou da Lousã (Figura 10).

Mapa hipsométrico de Portugal continental.
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Figura 10: Mapa hipsométrico de Portugal continental.

Nestas situações, o ar que se desloca do Oceano Atlântico para o interior da Península Ibérica é obrigado a subir devido ao relevo montanhoso, arrefece, o vapor de água condensa, podendo dar origem a precipitação (este tipo de precipitação é denominado por chuvas orográficas ou de relevo). Quando o ar desce aquece, está mais seco, sendo por isso muito difícil a ocorrência de precipitação. Este fenómeno ajuda a compreender a razão pela qual o interior norte e centro de Portugal continental são tradicionalmente áreas mais secas que o litoral, mas também pelo facto de não se fazer sentir tão facilmente a influência da brisa marinha, transportando consigo humidade (Figura 11).

Precipitações orográficas ou de relevo.
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Figura 11: Precipitações orográficas ou de relevo.

Na região a sul do rio Tejo

- Maior frequência anual de situações anticiclónicas devido à proximidade da zona de convergência anticiclónica intertropical, onde convergem massas com origem na zona equatorial;

- Menores níveis anuais de precipitação (Figura 12);

- Temperatura média anual mais elevada devido à maior proximidade do Equador;

- Evapotranspiração mais intensa;

- Rede hidrográfica menos densa.

Distribuição da precipitação total anual em Portugal continental.
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Figura 12: Distribuição da precipitação total anual em Portugal continental.

Nos arquipélagos este fenómeno é menos frequente devido à sua posição geográfica no interior de uma massa oceânica e, portanto, faz-se sentir mais o efeito da humidade marítima. Ainda assim, no Arquipélago dos Açores, são as ilhas mais a sul (portanto as do grupo oriental, nomeadamente as ilhas de São Miguel e de Santa Maria) que são mais suscetíveis à ocorrência deste fenómeno pois estão mais sujeitas à influência dos anticiclones subtropicais e, por essa razão, são menos afetadas pelas perturbações frontais vindas sobretudo de norte e leste da Europa. No Arquipélago da Madeira é a vertente sul da ilha e a ilha de Porto Santo que são mais afetadas devido aos valores mais reduzidos de precipitação.

 

Referências